sábado, 2 de março de 2019

NÃO POSSO SER PESSIMISTA POIS ESTOU VIVA

     Ontem olhei nos teus olhos e pensei no que há aqui dentro que eu não conseguiria nem por em palavras para te avisar. Cada ruga do lençol parecia pequenos obstáculos entre nós que ainda viríamos a conhecer: as brigas e os silêncios; a distância física e mental; o cansaço antes de dormir e logo pela manhã. Me perguntei porque estava ali, defumando seu quarto com cigarros, se minha barriga nem esfriava mais enquanto eu tremia dentro do ônibus indo te ver, por causa da sabedoria (que talvez chegou cedo demais) de que não vale a pena esquentar a cabeça com coisas que estão destinadas ao fim.
     Agora, enquanto escrevo, me pergunto porque renaço mais uma vez se “a gente mal nasce começa a morrer” e não há ninguém para quem eu queira contar sobre a pessoa incrível que eu conheci ontem sem ser você. Você, que eu mal conheço: mal consigo descrever. Porque recomeço se há fotos 3X4 que me encaram com pesar, denunciando minha ausência. Às vezes sinto que, com o passar do tempo, as memórias viram sonhos borrados e ofuscados, com um leve toque de incerteza. Como esquecer palavras na hora crucial, mas ao invés de palavras, rostos; como esquecer rostos ao reencontrá-los, mas ao invés de rostos, sentimentos.
    Qual é o sentido das coisas que acabam? Por que essa necessidade do infinito se ele é mais um fardo do que uma gloria? Mas não há glória numa vida pautada em recomeços. Compomos um começo agora, e ele me deixa acordada madrugada adentro. Compomos de relance um ser, repleto de faltas e saturações, cheio da ingênua vontade de se completar. O que nos aconteceria se um dia estivéssemos completos? Acredito que isso é o mais perto que podemos chegar da morte. Entendo que é o fim que permite as coisas, a vontade, o Conatus: continuar com as tentativas, mesmo que isso signifique estar sempre ligeiramente iludido.

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