Olá querido,
Faz cinco
meses que nos vimos pela última vez. Ontem não te vi porque recebi uma surra de
palavras que me deixou sem forças para sair da cama. Percebi que isso é uma
atitude minha que tenho com frequência: me machuco com palavras cruéis, me assusto
com a concretude das paredes, encolhida num canto, mal-amada, para impedir que
eu me machuque de verdade com coisas reais. Eu tive muito medo do que eu ia
sentir quando você abrisse a porta. E mais medo ainda do que sentiria quando eu
chegasse em casa e você estivesse em um avião.
Agora te escrevo, pois estou cansada desse mar agitado na
minha barriga, essa coisa mal digerida. “Amar é marés”, tento me convencer,
enjoada na proa do meu próprio navio. Ouço ao fundo a sua voz: “você me
machucou e vai ter que resolver isso se quiser continuar perto de mim”. Me
sinto longe, querido. Me sinto cruel. Me sinto triste. O fato de querer estar
com você e não estar me deixa triste e é uma tristeza muito simples. O
complicado é tentar não senti-la.
Eu nunca te disse que não queria que você fosse embora,
pois sabia que era um desejo irreal e impotente. Eu quis te deixar ir sem amarras, tentando incorporar o nome
daquele filme que chorei só de ver a capa na locadora, na noite em que tentávamos
escolher uma distração para o fim. Saímos sem alugar nada, mas eu levei comigo:
“viajo porque preciso, volto porque te amo”. Você viaja porque precisa e volta
porque me ama. Eu não te vejo porque sou covarde e me escondo na minha própria
cama.
Houve uma dureza quando eu disse que te amo; você temia
que isso sumisse como minha coragem sumiu. Deveria ter te dito sobre meus medos,
meus desejos. Sobre a vulnerabilidade de amar só. No telefone, você é a
escuridão quilométrica por trás dos meus olhos e eu não posso te tocar. Pois, no
nosso quarto, a falta de palavras eram abraços, olhares, beijos e há tantas
coisas que não podem ser ditas por palavras. Mas, agora, a ausência de palavras
é só uma agoniante e fria espera. Tudo em nós está em intervalo e as conversas saturadas
de palavras não me deixam sentir a falta. Ela inflama, lateja, tem o pus do que
eu não disse. Eu não queria que você tivesse ido embora.
Na noite
em que nos conhecemos, eu te falei que achava que amar era leve. Pois, agora,
eu discordo de mim mesma, porque amar é delicado, precioso, duradouro e
inexpressível em sua magnitude. Tem-se que confiar; amar sem régua; dar sem
exigir nada em troca, pois sabe que o outro vai dar porque quer. O amor talvez
seja o sentimento mais pesado que existe, por isso que precisa haver duas
pessoas para senti-lo: para compartilhar; para não ser insustentável. Não acho
mais que dê para amar sem doer - mas dá pra doer sem morrer ou matar.
Naquela noite eu falei também que a vida era muito longa.
E eu juro que rasgaria o espaço-tempo com as unhas para te ter pra sempre ao
meu lado. Mas o “pra sempre” é uma coisa esquisita: queremos no futuro o que temos
nos passado. Quando me vejo, você sempre está aqui pois nada pode me arrancar
meu passado, nem palavras cruéis, nem eu mesma. Te digo que não fui embora e
isso é o máximo que posso fazer por você. Agora, te resta acreditar.
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