segunda-feira, 18 de novembro de 2019

QUATRO ESTAÇÕES


- VERÃO -

[o sol quente demais
o asfalto fervendo de racionalidade, prestes a derreter
uma borboleta atravessou a faixa de pedestre
e pousou no teu braço]
     "Se ficarmos bem quietos, ela não vai embora"
Numa espera assustadoramente alegre,
nos desarmamos de todos os nossos sustos,
as contrações inusitadas e os tiques nervosos.
A natureza nos impunha:
é preciso viver um instante por vez.
Fiquei tão sem palavras te vendo olhar o mundo tão de perto
que quando me perguntou se estava tudo bem
e ficou esperando a resposta
achamos que conversar era em silêncio.
     a borboleta não voou quando passou o nosso ônibus
     ou o táxi o carro a moto com o escapamento explodindo;
     ela voou quando quis.
     nós só olhamos, sem entender.

- OUTONO - 

[as árvores já nuas, cheias de vergonhas,

e eu visto minhas roupas, voltando para casa]
Em pequenas decisões despercebidas
eu me perdia todos os dias
e tu me achavas.
     "Você não concorda?"
Engasgada, tossi por uma semana,
abanei os braços, chamei tua ajuda, esbugalhada,
mas ela estava de cenho franzido e virada.
Você não respondia o que não compreendia
e eu, sem tempo para dúvidas,
nunca refutei uma lógica tão pura.
Desengasguei, de fato,
com um traumatismo de mil anos
por querer ouvir o certo no lugar errado.
Palavras têm consequências e eu as sinto na carne
sentimentos não são bons detectores de verdades, eu sabia:
     tu só estavas sendo ingrato
     como seria comigo dentro de alguns instantes;
     eu consigo ver.

- INVERNO -



[a paisagem vai do branco ao nulo
há todas as fases do luto;
a luta constante pra não defuntar durante a vida.
debaixo da minha pele: ainda branco]
Sobre minhas convicções: tenho dúvidas.
Me pego tentando me justificar,
tentando ser concisa na incoerência definitiva

pois a morte me escancarou:
eu não tenho o direito de machucar ninguém.
     o mundo me assusta muito, amor.
Amor,
     o mundo me assusta muito.
Penso em todas as mensagens que me escreves e depois apaga.
Tento sumir, mas havia te mostrado todos os meus esconderijos.
Então eu quero saber em que lixo tu me jogou
pra talvez eu poder me achar.
O domingo é longo, acaba em um triz,
me resta o pó no fim do nariz de quem viveu da poeira.

[se eu nos matasse no meio exato dessa noite
nosso túmulo seria coberto de flores estranhas
todas as que eu nunca te dei]
Só assim poderíamos ser eternamente felizes
     no cemitério é sempre primavera.

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