segunda-feira, 11 de novembro de 2019

CONTESTAÇÃO - DIÁLOGO


- Por que você está aqui?
- Quê? É para eu ir embora?
- Não! Não, não. Desculpa, eu tava tendo uma conversa na minha cabeça e só soltei uma frase fora do contexto. Como é que eu vou explicar?

- Assim: por que você tá aqui e não em qualquer outro lugar?
- Porque você me chamou pra sua casa, ué. Não sei se eu teria muito outro lugar para ir.
- Só por isso?

- E porque eu gosto de você.
- Por que você gosta de mim?
- Isso é uma deixa para eu te elogiar?
- Não, é uma deixa para você ser sincera. 
(suspiro)
- Sei lá, ultimamente eu não tenho gostado muito de mim e fica uma sensação paranóica de que todos estão só fingindo gostar. Me aguentando. Principalmente porque eu sei que não sou a melhor versão de mim que eu poderia ser, então parece que tô só disfarçando esse déficit e que logo-logo alguém vai me descobrir.
- Ah, não sei se sei porque gosto de você. Você sabe porque gosta de mim?
- Sei, porque pensei muito nisso ontem: eu gosto de você porque você me acalma, tudo a sua volta parece que tá esmaecido. E também porque, quando eu tô com você, eu sinto que tenho um lugar no mundo.
- Ah!, isso foi quase que injusto! Não vou conseguir dizer nada depois dessa declaração.

- Não sei, eu gosto de você porque você é você. Sem tirar nem pôr. Não um quesito de ser única, porque isso todo mundo é. Mas, sei lá: encaixou.

- Mas, é, eu entendo isso. Às vezes também penso que eu seria mais feliz se eu fosse diferente, ou até completamente outra pessoa. Fico matutando sobre os momento que disse algo errado como se isso pudesse rebobinar a fita.
- É, é a pior coisa... Não dá pra viver desse jeito, pisando em ovos, mas sempre sobra uma sensação de que, em algum momento, o erro vai ser tão fatal que não terá mais volta. Eu queria conseguir falar sem pensar, desenhar direto de caneta, escrever sem estar inspirada...
- Mas como assim "erro fatal"? Você falando assim parece que tem um ponto de partida e um ponto de chegada. Não acho que seja assim, que tem um caminho reto e um dia seremos mais nós mesmos do que antes.
- Verdade.

- Acho que nunca que uma menina medieval ia pensar uma coisa assim. Essa ideia de que somos algo por si é uma maldição contemporânea e liberal. A gente é só momento. É tudo tão óbvio, meu deus! Como fui cair nessa?
- Às vezes parece que a vida cai em você como uma luva. E às vezes parece que você tenta usar essa luva como uma calça.
- É ridículo, eu sei...
- Não, não. Eu acho lindo. Eu sempre te acho linda, e te ver esnobando tudo isso me faz rever todos os momentos que eu também insisto em não gostar de mim. Não sei bem porquê temos tanta dificuldade de gostarmos de nós como gostamos dos outros.
- Talvez porque não convivemos com ninguém tanto quanto convivemos com nós mesmos. A gente sabe de todas as nossas falhas, né?
- É. E encaramos tanto elas que não conseguimos perceber que, talvez, elas não sejam coisas ruins. Por exemplo, eu amo seu cabelo quando ele tá sujo.
- Eu adoro seu arroz quando fica empapado. Ai, ai... A gente é tão nova e tão boba. Sempre me esqueço que não dá pra se levar a sério. Se fosse pra vida ser séria, nunca teríamos aprendido a rir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário