segunda-feira, 27 de maio de 2019

REVOLUÇÃO MOLECULAR

Nasci em meio ao mundo de atrasos
pelos quais não sou responsável:
nele não vivi, mas vim aqui
pois outros virão
e há tanto o que se fazer...
O futuro demora, mas está logo ali
      nova geração que aguarda em ventres,
     te entrego o que fiz com as próprias mãos
  e aviso: há muito o que se fazer.
Agarro o amanhã de punho cerrado.

Na violência da vida, a filosofia não serve de nada
("luto para que palavras não sejam trucidadas
por um mundo tão absoluto").
Na filosofia fria, o amor se transforma em teoria
("pois Eros não se traduz em palavras
e revoltas são paradas em parágrafos").
Na delicadeza do amor, a violência é curada
("precisamos estar juntos ou enlouquecemos;
a revolução é guia, mas não nosso sentido;
o sentido está no agora").

Te convenço de meus argumentos com um beijo,
mostrando qual é a rota de fuga
mais rápida. Se apertar minha bunda
desse jeito
não há molécula em meu seio
que não vá se revolucionar.
Ah, criaturas humanas!
agimos como se habitássemos o universo!
Acho que suas mãos de fogo ascenderam as estrelas
que nos aguardam fora deste quarto.

Provavelmente não transaremos no parque
ou gritaremos nossos nomes pela rua
como Cleo e Daniel - eles já fizeram isso por nós.
Agora podemos ir ao supermercado
e nos olharmos sem dar bandeira,
nos beijarmos sem fazer barulho
de estalo de metralhadora;
posso dizer que você é insubstituível
enquanto pego uma marca genérica de condicionador.
Vais dizer que somos condicionados a substituição
mas eu deixei o sistema todo confuso
quando te ofereci segura minhas digitais
- únicas.

O mundo lá fora não pode nos ver
se fecharmos as janelas
                                      e os olhos.
[o que mais choca é ter-
mos uma vida só nossa]
Talvez essa couraça que já me invadiu suma
se eu gozar até meu corpo ficar tão mole
que nenhuma engrenagem vai conseguir me comer.

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