terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

POEMA - HISTÓRIA

- I -

Quando nos encontramos pela primeira vez, ela lia um livro colossal
e eu tive a sensação que já a conhecia antes
não necessariamente de outras vidas:
talvez, no começo do universo
quando os mitos eram criados
nós éramos forças da natureza;
poeira de uma mesma estrela
que pela força da gravidade e do desejo
deixaram-se unir.
Ela não acreditava em coincidências.
Quando nos encontramos pela segunda vez,
o marcador havia caminhado para a metade final do colossal:
ela devorava livros como eu escovava os dentes.

Pensava no que lhe acontecia enquanto não me via;
perguntava.
As respostas nunca eram tão detalhadas quanto a minha ânsia.
Cada vez que nos encostávamos, eu me tornava mais ela.
Quis lhe fazer um elogio, mas nada vinha.
Era uma mulher! não fazia sentido elogiar suas partes masculinas
- os pés, os braços ou os seios.
Disse: sua mãe fez uma cabeça linda.
Ela piscou uma risada com um determinado fim.

Seus olhos eram fáceis de olhar pois, na luz,
as pupilas eram mínimas e eu reluzia.
De noite, ela disse:
- Me perguntaram uma vez como os brasileiros amam. Não quis dar um veredito, achei que todos eram diferentes. Mas percebi que os franceses amam de um jeito específico - eles comem intensidade no café da manhã. Ainda não queria falar por todos eles...
- Nós.
- Esse ato falho já diz tudo. Já li que é coisa de burguês achar que somos especiais, mas não consigo acreditar que não amo de um jeito único.
- Como você ama?
- With the fingertips.
Contornei seus lábios com seu amor
e as pupilas aumentaram de uma hora pra outra.
Mergulhei no fundo do seu âmago.

- II -

Meus olhos passeavam enquanto conversávamos:
olhos para ela enquanto ela fala;
olhos para o resto enquanto respondo
(acabava que nossos pares nunca se encontravam).
- Suas pupilas estão sempre dilatadas. Parece que você está apaixonada pelo mundo.
Reparei os sapatos combinados pois olhei pro chão.
- Sabe, acho que até os deuses tinham dias que não aguentavam nem se olhar no espelho.
Talhei nossos nomes combinados na árvore
(parecia que o "E" tinha mais pernas que deveria).

Sentamos no ponto de ônibus, sem saber.
Nossas vidas se apresentavam como uma rua sem saída,
procurávamos avidamente por uma bifurcação; uma escolha.
- Por que fica me mandando embora? Se não me amasse, não se importaria comigo.
- Eu não chamaria isso de amor.
- É uma forma de amor... De qualquer forma, não estou pedindo para que me ame, estou pedindo para que me deixe te amar, o que parece ser muito mais complicado.
Talvez as coisas que eu me apaixonei nela foram eu mesma.
- Tudo há de se acabar um dia entre nós e nunca mais poderemos viver como antes. O amor é uma praga.

- III -

Eu fiquei por costume;
ela ficou por vingança.
Acho que assim é a diferença entre o amor e as outras coisas.

Não me lembro de seu rosto, não o guardei na memória
de tão certeiros que eram meus quereres,
mas sei que seu cabelo cresceu 5 centímetros enquanto convivíamos.
Ela já era outra pessoa quando nos separamos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

MUSEU

Love... Love fades away. Percebo isso antes da hora e anseio em te ver para provar que você não sumiu. Um dia começou a tocar aquela música que vai assim: "hiding from himself (tu-dum dum dum tu düum) as well as everybody else" e foi aí, no aleatório, que decidi que queria te ver mais do que uma vez na vida. Eu achava seu sorriso adorável e prestei muita atenção todas as vezes que ele apareceu, como se aquilo fosse um quadro muito famoso em algum museu na Europa - daqueles que você já viu tantas vezes por aí, mas ao vivo, sei lá... Não consigo me lembrar se você sorriu alguma vez na última vez que nos vimos, teimo em achar que foi por falta de atenção. Teimo em pensar que ainda estamos juntos em algum lugar.
            Lembro de nos ver sentados no ônibus, no banco em frente ao meu, no futuro. Estávamos abraçados, ela usava um vestido rodado e eu soube que não podia ser, porque eu odeio coisas assim. Eles falavam em alemão e se olhavam muito de perto, eu parecia tão sozinha. Lembro de você ter sentado do meu lado no ônibus voltando do trabalho, todo formal e cansado, sem sequer me reconhecer e eu percebi que você jamais seria quem você é. Eu não poderia amar aquelas camisas cheias de botões e listras ao invés das camisetas, todas pretas; eu não poderia usar vestidos rodados depois dos vinte anos pois as coisas não são tão leves. A gente só foi porque eu ainda tinha deze noveloveleve; porque não tínhamos nenhuma resposta ou decisão, só sabíamos que para sempre era muito tempo - se juntar tudo nosso não dá nem uma lágrima.
            Terminei de reler um livro-adolescente em que ela joga tudo na frente da casa dele no fim, dentro de uma caixa. Eles eram ridículos e americanos e me lembraram muito de nós conversando num frio de rachar (eu mordendo a ponta do cigarro - como na guerra - de tanta vontade de mastigar seus dedos). Eu queria jogar coisas numa caixa, mas não tenho nada seu, não tenho nem raiva. Nada foi incontrolável ou inadiável, acaba-se como acaba uma adolescência: sem perceber, achando que dá pra encher a cara mais um final de semana.
          Pois bem, o cara do ônibus: ele mora no meu prédio. Entrou comigo pela portaria depois de eu passar o trajeto inteiro fingindo ouvir música, mas realmente ouvindo sua conversa ao telefone. Ele dizia que estava cansado de amores que acabam e eu não entendo o que ele quis dizer. Dá vontade de ligar para todos os apartamentos até ele atender e dizer: “love... love fades away” e, se ele não entender inglês, falar como se todas as vogais fossem maciças: o amor desvanece. Dá vontade de tocar todas as campainhas e foder com ele, pois ele parece contigo se eu pudesse te ver pela primeira vez.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

CADÈRNO À TROIS

Tudo em mim está, em algum aspecto, deformado.
Quantas de mim há por ai?
Eu, que só sei o óbvio,
me sinto
(não) me encontro.
Se parar, para onde eu vou?

Quero sumir.
Quero ser legal com a minha mãe.
Quero ser pura a despeito de toda a maldade.
Quero ser criança de alma,
como eu ainda era não há muito.
Não sei o que mudou,
                                   ou quando; não sei.
Sei que, quanto mais olho para o espelho, menos vejo.
Me escuto gritando que sou mais Outro do que Eu.
Mas é claro que não pode ser assim:
apenas uma afirmação é real
- e ainda não a conhecemos.

É inútil,              é inútil.
              é inútil,
Mas não quero parar de escrever, pois me sinto só.
Ainda que fossem lamúrias sensíveis
                                                            (meu deus!)
ainda que fossem.

Queria ter amado muito esse ano.
Queria ter ido à terapia hoje.
Só descobri, mas continuo coberta de razão.
Há uma inalcançabilidade nas consciências individuais.
No fim, sei lá...
é muita impotência.

Minha letra tá muito feia,
muito fria.
Vocês conseguem me entender?

sábado, 2 de fevereiro de 2019

SAL

- É porque você fala sobre sentimentos.
- ele era alguém que usaria meus poemas como guardanapo –
É uma fragilidade forte,
mais perfeita que a perfeição.
Eu ouvia parada, como que pronta para matar um mosquito.
Ele me olhava com seu sorriso de concha.
- É brega – concluiu.

“Duas da manhã e ainda existe o mundo inteiro”

A água gélida ferveu a pele,
assim como o sangue debaixo dela.
- Vem!, suas mão chamaram lá do fundo.
Pisei em suas ondas:
todos os erros inevitáveis entre nós
e eu quis morrer de amor
(é tão inevitável morrer)
sem lhe matar.

Ele engoliu todo aquele mar,
se envenenando em homeopatia:
quanto mais diluído, mais forte.
Aguado, arranhava minha pele com o sal.
- Eu não vou falar contigo
até você aprender a chorar.
Havia reformado minha casa
com a água batendo no peito,
sabia como era estar encanada.

Toda poesia desceu pelo ralo.

Encantada com tantas estrelas,
eu estava bem nesse planeta
escutando uma canção de amor:
as estrelas não sabem o que é isso,
mas os átomos ao redor me entendiam.
O infinito que estava a minha frente existia dentro de mim.
Pensei: “vou escrever um poema, uma história”
mas há um problema nas histórias:
elas nunca têm um fim.
Mesmo que eu me torne infinita em palavras escritas
sempre haverá um resto
(a parte mais importante)
que será só meu.

Os azuis nunca serão os mesmos.

Depois do banho, antes de se enroscar nas roupas,
o bebê acha que faz parte do universo,
isso o angustia e ele chora.
Enquanto eu escrevo isso
as palavras vêm rápida à mente.
Esqueci a próxima frase




parei, pronta para um mergulho de gelar os órgãos.
Quis me mostrar forte
mas, estou aqui, escrevendo.