- I -
Quando nos encontramos pela primeira vez, ela lia um livro colossal
e eu tive a sensação que já a conhecia antes
não necessariamente de outras vidas:
talvez, no começo do universo
quando os mitos eram criados
nós éramos forças da natureza;
poeira de uma mesma estrela
que pela força da gravidade e do desejo
deixaram-se unir.
Ela não acreditava em coincidências.
Quando nos encontramos pela segunda vez,
o marcador havia caminhado para a metade final do colossal:
ela devorava livros como eu escovava os dentes.
Pensava no que lhe acontecia enquanto não me via;
perguntava.
As respostas nunca eram tão detalhadas quanto a minha ânsia.
Cada vez que nos encostávamos, eu me tornava mais ela.
Cada vez que nos encostávamos, eu me tornava mais ela.
Quis lhe fazer um elogio, mas nada vinha.
Era uma mulher! não fazia sentido elogiar suas partes masculinas
- os pés, os braços ou os seios.
Disse: sua mãe fez uma cabeça linda.
Ela piscou uma risada com um determinado fim.
Disse: sua mãe fez uma cabeça linda.
Ela piscou uma risada com um determinado fim.
Seus olhos eram fáceis de olhar pois, na luz,
as pupilas eram mínimas e eu reluzia.
De noite, ela disse:
- Me perguntaram uma vez como os brasileiros amam. Não quis dar um veredito, achei que todos eram diferentes. Mas percebi que os franceses amam de um jeito específico - eles comem intensidade no café da manhã. Ainda não queria falar por todos eles...
- Nós.
- Esse ato falho já diz tudo. Já li que é coisa de burguês achar que somos especiais, mas não consigo acreditar que não amo de um jeito único.
- Como você ama?
- With the fingertips.
Contornei seus lábios com seu amor
e as pupilas aumentaram de uma hora pra outra.
e as pupilas aumentaram de uma hora pra outra.
Mergulhei no fundo do seu âmago.
- II -
Meus olhos passeavam enquanto conversávamos:
olhos para ela enquanto ela fala;
olhos para o resto enquanto respondo
(acabava que nossos pares nunca se encontravam).
- Suas pupilas estão sempre dilatadas. Parece que você está apaixonada pelo mundo.
Reparei os sapatos combinados pois olhei pro chão.
- Sabe, acho que até os deuses tinham dias que não aguentavam nem se olhar no espelho.
Talhei nossos nomes combinados na árvore
(parecia que o "E" tinha mais pernas que deveria).
Sentamos no ponto de ônibus, sem saber.
Nossas vidas se apresentavam como uma rua sem saída,
procurávamos avidamente por uma bifurcação; uma escolha.
- Por que fica me mandando embora? Se não me amasse, não se importaria comigo.
- Eu não chamaria isso de amor.
- É uma forma de amor... De qualquer forma, não estou pedindo para que me ame, estou pedindo para que me deixe te amar, o que parece ser muito mais complicado.
Talvez as coisas que eu me apaixonei nela foram eu mesma.
- Tudo há de se acabar um dia entre nós e nunca mais poderemos viver como antes. O amor é uma praga.
- III -
Eu fiquei por costume;
ela ficou por vingança.
Acho que assim é a diferença entre o amor e as outras coisas.
Não me lembro de seu rosto, não o guardei na memória
de tão certeiros que eram meus quereres,
Ela já era outra pessoa quando nos separamos.