quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

MIMESE

De manhã na minha cama
de madeira molhada
e úmida
de demora demorada e constante
de constante demora densa
de madeira vermelha e melada.

Me conte de minhas manhãs
pois de muitas não me lembro.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

20:41 CARRO - IDA PARA CURITIBA

     Lembro-me da noite em que me pararam para ver as estrelas. Se eu escrevesse para os outros, daria mais detalhes do tal ocorrido, mas, essa noite, me limito a escrever para mim mesma. Os outros andam me dando muita dor de cabeça ultimamente; está na hora de olhar para o universo sem me sentir vazia.
     Me sinto cheia.
     Nessa noite, transbordo o brilho juvenil de olhar para o céu e ver presente. Me engasgo com a poesia que não consigo passar para o papel. Me contento em sentir e só, me limito a sentir por sentir, assim como deveria me limitar a viver por viver - mas ainda não consigo. Olho para o céu e só vejo estrelas. Sorrio ao tocar uma música bonita, mas pauso-a logo em seguida. Aprecio silêncio: o motor do carro ronrona baixinho e vou pacificamente ao encontro com a morte.
     Morrer não me parece trágico: não se eu viver antes. Viver (uma palavra verde, mesmo escrita em preto) parece-me confuso e complicado. Na verdade, o que é complicado são meus antagonismos: a paz e a turbulência; o esgotamento e o retiro; o fosco e o escuro, brilhante.
     O passado encosta-se em mim de novo e eu não quero sair daqui. Viver, sem ninguém além das estrelas, finalmente me parece muito fácil. Viver, nesse carro, parece-me muito momentâneo. Me dá medo, fico sem ar. O manto do céu cai sobre meus pulmões e todas as coisas que ficaram no "deveria" passam pela minha cabeça. Olho novamente para as estrelas. Há tantas aqui, no meio da estrada. Uma para cada coisa que eu deveria ter dito, deveria ter feito. Sorrio. Há tanto a se fazer.

     25 de Maio de 2016

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

IMAGINA SE O MUNDO NÃO FOSSE GOVERNADO PELA LÓGICA DO CAPITAL?


Eu tenho o sonho de que um dia esses tempos que vivo serão conhecidos como “a época em que tudo era louco e o homem não  tinha o direito de existir”. Quando penso no meu tempo histórico, fico tentada a desviar a atenção para um futuro mais favorável ou para um passado mais saudosista. Eu fico triste em ter nascido em um tempo tão caótico; ao mesmo tempo que fico feliz, pois há muito o que se fazer, muito por o que lutar, muito o que se mudar. Mas então fico triste em saber que tudo já é efêmero entes mesmo de acontecer, e me sinto desmanchando no ar, que me machuca ao entrar nos pulmões.
Eu não queria ter nascido mercadoria, nem ter perdido meu valor ao incorporar outros. Eu quero que meus filhos se assustem quando eu contar sobre meus (muitos) vestibulares: sobre o suor, a tremedeira, o funil e sobre aquelas malditas folhas – com tantas coisas escritas, mas sem dizer nada – que falhavam repetidamente ao tentar avaliar alguma coisa, mas sua nota só refletia o quão inumano você havia se tornado. Eu quero que eles franzam as sobrancelhas, pois isso será inconcebível. Eu quero que eles não saibam o que é dinheiro, propriedade privada, fome ou desesperança. Eu quero que eles saibam soletrar a palavra “utopia” desde crianças.

Eu me perco no meio de livros, filmes e teorias, me perguntando como que exigem que eu entenda tudo isso, como que exigem que alguém mude alguma coisa? Eu acordo pensando como que faremos isso, vou dormir chorando por não ter mudado nada e no meio tempo arranjo algum motivo para sorrir. Choro pelas atrocidades humana, choro porque me esqueço da beleza que é viver e choro mais ainda porque esse esquecimento é fácil e corriqueiro. Por que ninguém vê a beleza? Por que quando fala-se nela, está sendo piegas? Quanto mais eu entendo, mais eu choro, mais me pergunto, mais entendo. E vou tentando criar meus meios de resistência e existir no meio disso. Porque viver significa lutar e o conformismo, para mim, é pior do que a morte. Eu não quero parar de ser jovem. Eu não quero parar de viver.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

EXPLICAÇÕES

Eu odeio o ser humano
porque ele inventou a bomba atômica,
o poder, a gramática e os gêneros;
o desmatamento, a fome e a economia;
o ciúme, a tecnologia e as siglas.
Porque ele não conseguiu entender nada
e separou tudo em caixinhas,
que preencheu com dúvidas certeiras
e com certezas duvidosas.

Porque ele se complicou tanto
que agora deve explicações
e não sabe dá-las.
Porque ele não sabe se dar.
Porque ele inventou Deus
e teme perante a si próprio.
Porque ele inventou um Deus
que não gosta de quem dá.
Porque ele acha que tem moral
e cora ao ver alguém nu.
Eu odeio o ser humano porque ele se veste ao nascer.

Porque ele sorri quando quer chorar,
ele mata quando quer chorar,
porque ele só consegue chorar no escuro.
Porque ele tem medo do escuro
e fala em fantasmas para disfarçar.
E mais que tudo,
eu odeio o ser humano porque eu queria amá-lo


mas ele não deixa.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

REFORMULAÇÃO

Entenda que a poesia
não está no meu dia-a-dia,
minha vida,
na chuva de flores que caiu na avenida.
Se estivessem
eu vivia de poesia
não de escrever.



Mas há todas as coisas que eu queria que virassem poesia
mas não viram
porque eu não entendo-as suficientemente bem
para transforma-las em palavras.
Esses são os melhores poemas:
os que não se concretizam.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

ENCÉFALO ALTAMENTE DESENVOLVIDO

Ela não sabe que vai morrer,
por isso dorme, come, anda pela casa o tempo todo
e só.
Se muito, quando um bicho da luz
entra pela janela numa noite de verão,
ela não hesita em dar-lhe um safanão
sem nem sequer imaginar
que por aí há coisas
que podem arranha-la
como ela faz com aqueles pobres insetos.

A luminária é seu sol,
o teto é seu limite
e o corredor apresenta tantas possibilidades
que ela se agacha,
encara
e não vai.
Quando tento tirar seus pés do chão
virar seu mundo de cabeça para baixo,
ela grita num protesto arrastado,
pedindo um pouco de racionalidade em meus atos.

Ela não sabe que tudo isso acaba um dia,
por isso ronrona ao simples toque,
fecha o olho ao ver qualquer sorriso,
corre atrás de um fio
longo, vermelho e felpudo,
arranha meu braço num pedido de carinho,
sem nem sequer imaginar
que dentro de mim há coisas
que podem arranha-la
como ela faz com o meu braço.

Já me surpreendi ao me ver brava,
ressentida, confusa e magoada
tentando dialogar humanamente
e ela só não dava risada
porque nunca se rebaixaria
ao meu nível:
pensar, pensar, pensar
e dar de cara com respostas infinitas
para perguntas mais longas ainda.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

22:35

   O quarto me sufocava, então acendi as luzes e  abri a janela. O barulho daquela noite, já tão tarde, me lembrava que o mundo girava muito mais do que minha própria cabeça. Sentei-me na beirada da cama, fechei os olhos e me concentrei no ruído. Latidos de cachorro. O ônibus sanfonado (que o motos faz mais esforço). O ruído das esferas cósmicas em atrito. Um grito.
   Abri os olhos em sobressalto, fui até a janela. Não havia nada, sem sinal de um dono para aquele susto que eu havia levado, apenas a silhueta de alguns prédios. Me sentei novamente na cama, agora olhando para a paisagem, atenta. A adrenalina de não saber o que acontecia corria de um lado pro outro, sem saber o que fazer. Lá fora, tudo em inércia: o que se movimentava continuava se movimentando, o que parado estava, assim continuou. Eu, estática. Mais um grito, feminino, estilhaçado, como numa briga surda com muitos sentimentos em ebulição. Acendi mais uma luz mais forte, a do teto, e me direcionei novamente à janela. 
   Agora havia uma sombra refletida na parede do prédio ao lado, logo abaixo de minha janela. Talvez fosse algum desentendimento com os pais, o grito foi o ponto final, e agora ela se sentava à beira da janela tentando respirar, tentando ouvir outros barulhos sem ser o seu, tentando ver outros mundos, assim como eu. Mal ela sabia que eu via o mundo dela. Cabelos curtos caiam desgrenhados no rosto, ombros também caídos. Conseguia até ver os olhos vermelhos, a boca escancarada, ouvir a respiração descompassada. Suspirei junto com ela. "Tem alguém aí?", perguntei, mas não houve, só o ônibus indo embora. Egoísmo meu, procurar a companhia de alguém na situação dela. Éramos só dois sós se acompanhando.

   Sentei-me, olhando novamente para a menina-sombra. O que se passava na minha cabeça ao abrir a janela por impulso me atravessou novamente. O ar faltou, arrombei ruidosamente a janela, tragando o mundo, segurando o parapeito. Tremi: ao olhar mais de perto, percebi que a sombra sempre foi minha.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

DUALIDADE

Entre o Ser e o Não Ser
eu prefiro os dois:
ser um pouco de tudo
ou não ser nada
quando der vontade.
Eu prefiro abraçar a vida por inteiro,
sem excluir nenhuma possibilidade
que me possa aparecer.
Acabar por ser Eu
(assim mesmo, com letra maiúscula,
para mostrar que sou própria,
como o substantivo)
nos erros
das inconstâncias e das incertezas.
Sou
seja lá o que quer que isso signifique.
Pois como definir algo
que é tão contraditório em si mesmo?
Assim é o fato de existir, em meio
a tantos mesmo incompatíveis.
Me achar sem procurar,
trombar comigo em todos os atos
até nos mais inesperados,
nos mais sem jeito,
nos mais sem sentido
- sentido esse que é o ser sendo o ser que sou,
que fui
e que serei.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

CALEIDOSCÓPIO

   Estava esperando o ônibus na volta para casa, quando quatro garotas chegaram para esperá-lo junto a mim. É engraçado o fato de que tentar não pertencer a nenhum grupo faz com que você pertença a um. Por conta disso, logo reconheci que elas estudavam no meu antigo colégio. Há uma identidade em se compartilhar o mesmo espaço com pessoas, mesmo que elas estejam lá quase que aleatoriamente - afinal, o futuro se compõe, majoritariamente, de aleatoriedades. Mas se esse compartilhar fica no passado, a identidade que se cria cara algo difícil de se entender.
   O ônibus chegou e apenas uma delas subiu. Toda aquela situação me fez lembrar como aquilo daria uma boa crônica, frase que não parava de passar na minha cabeça no oitavo ano, em 2012. Engraçado, porque não me lembro de quase nada desse ano. E olha que eu passo muito tempo pensando nisso: o passado. E mais tempo ainda pensando na outra coisa que vem logo em seguida: o futuro. Não penso no presente porque ele me apavora: a velocidade, a imprecisão, a impossibilidade de acompanhar e entender o que acontece em tempo real. O tempo é uma coisa que me roda e roda, me deixando tonta, sem me levar a lugar algum. Ora!, como conseguimos viver no presente, se o mesmo quase não existe?
   Chegando em casa, com aquelas meninas ainda na cabeça, acompanhada de tudo aquilo que elas haviam revivido em mim - que ainda não sei muito bem o que foi -, comecei a procurar por fotos antigas. A nostalgia trazia um aperto no peito e uma paz desconfortavelmente gostosa. O tempo passa mais rápido do que eu gostaria e, de repente, as coisas que eu havia feito importavam muito mais do que as que eu não tinha e tudo parecia no lugar onde deveria estar: sem dúvidas, sem erros, sem nada além do infinito que cabia naquele passado.
   Lembrei-me dos meus 10 anos, quando eu olhava para as pessoas com seus 18 e via adultos formados: responsáveis, decididos e seguros do que estavam fazendo da vida. Agora, carregando 18 anos num documento, começo a duvidar se realmente sei o significado dessas palavras. Agora, empacada num ano de cursinho que não me deixa ser adulta nem adolescente (muito menos criança), presa nesse estado de não ser nada, nesse limbo entre o que aconteceu e o que está por acontecer, olho para aquela menina com seus significativos 10 anos de existência e vejo uma pequenina criança, algo que muitas vezes fiz um esforço tremendo para deixar de ser o mais rápido o possível. Olhei nos meus olhos de 13 anos e vi a inocência de não saber o que está por vir, acompanhada por olheiras de quem acha que já viu demais. Olhei nos meus olhos de 18 anos e vi um caleidoscópio de ser, não ser, deixar de ser e vir a ser; de visões, previsões e revisões; de perspectivas, ângulos e reflexões mil que eu não consigo abordar em uma frase lógica, nem no campo do imprevisível. Sorri assustada.
   - Há muito o que se viver.

terça-feira, 4 de julho de 2017

LINHA

O futuro chega porque o cabelo cresce
e as decisões são todos os segundos
como, por exemplo,
cortá-lo.

O acaso é o caso que se conta caso nada seja dito.

Somos constituidos de passado
pois o mesmo acontece
toda a vez que pensamos sobre.
"Socorro", ela me respondeu arregalada,
"o tempo passa rápido demais".

E de repente não somos mais quem éramos embora nunca tenhamos sido mais nós mesmos do que agora.

O adolescente conversa com a criança
mesmo que nunca tenham se encontrado.
E eu ouço o cacarejar de um dinossauro
pois, a partir do momento que eu existo,
eu sou todo o passado que possa existir.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

MODERNIDADE

O corpo pesa 6 sextilhões de toneladas
pois carrega o mundo nas costas
e mais um pouco.

O riso é a fala dos deuses
e a leveza vem quando se é poliglota
pois a alma se desassocia do corpo.

Resta o vazio
da boca escancarada
sem palavras para ruminar
e digerir por dias.

Se o cérebro fosse uma maçã
a racionalidade seria a casca,
já o pseudofruto seria

todos os porquês que não foram perguntados.

sábado, 27 de maio de 2017

NARCÍSICO

Poemas, músicas e retratos
se baseiam na pura e simples identificação.
As lágrimas que rolam,
sobem e descem feito escadas
que rolam também,
são produzidas pela dor do outro
que dói na gente.

Meus sentimentos são transgênicos,
pois fiz com que parte dos outros
também fosse minha.
Não choro pelos reflexos
que gritam na cara tudo o que já se sentiu
mas nunca havia sido explicado:
choro pelo grito no vácuo,
o que impede qualquer partícula de sentimento
de chegar até aqui.

Nunca rive superfície reflexiva
que me mostrasse quem eu sou.
Então comecei a produzir espelhos
e me afogar nas imagens.

Vivemos com 5 quatriliões de toneladas
de ar em cima de nossas cabeças
e não percebemos
pois já estamos acostumados.
Eu nasci oca
(igual santo do pau oco)
e não percebi,
pois já estava acostumada.
Mas o saco ta ficando cheio
e cada vez incomoda mais
ter tanta coisa aí fora
e nada preencher aqui dentro.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

IMSOMNIA

Há a insegurança de entrar no quarto cedo demais
e ficar presa entre o instante de ir dormir e o antes dele,
onde reina um claro hiato
que noites frias e sem estrelas
trazem pros olhos que piscam longamente
e viajam pra além do sono.
Ele foge quando vê a lua,
porque uma vez em sonho foi lobisomem
e de pesadelo já basta um.
O cansaço corre e me abraça
quando o sol nasce dizendo que o dia raiou
mas não escuto:
o olho segue a poeira que pulou da coberta
até estabacar-se no chão.
A porta aberta indica um novo dia
em que tudo segue em uma estranha harmonia
inclusive ao deixar
a noite acabar ao pé da porta

na insegurança de entrar no quarto cedo demais.

terça-feira, 9 de maio de 2017

TÁ TUDO UMA BAGUNÇA

E agora não é o quarto ou a sala:
não são as roupas
espalhadas pelo chão
ou a cama que eu,
de manhã e de tarde,
deixei por fazer.
Se fosse isso, eu ia embora:
desapegava de tudo material que me cerca,
desapropriava tudo que me apropria
e me mudava pra quatro paredes
sólidas e concretas,
lúcidas e opacas.
Mas as roupas estão dobradas,
guardadas e organizadas em armários
sólidos e concretos.
A cama está sem oscilações
feita para eu me deitar
lúcida e opacamente.
Mas eu não me deito:
me viro e desviro
esperando a implosão das estruturas
que me reverterá em quatro paredes:
sólida e concreta,

lúcida e opaca.