quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

CONTRAÇÕES

Durante minha vida
fui o vermelho vivo
de um filho rejeitado
de um mundo abortivo.
Eu não devia ter nascido.
Eu não queria ter nascido.
Pois eu ainda não tinha nascido.
Só hoje sinto
as dores do meu parto
no meu coração
que me expele ao mundo
num choro silencioso
enquanto subo a Cardoso.
Se nasce várias vezes:
uma é na maternidade;
a outra
é um vir a ser feto
em qualquer idade.
Dói porque não tem cesária,
não tem parteira,
não tem anestesia.
Se tivesse, não nascia:
morria com a cabeça entalada
no meio do caminho da vagina.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

INCONSTÂNCIA POÉTICA

Não há tempo

para amizades falhas,
                                    falsas,
ou que afetam o                      fígado.

A rotina se diz nosso único amigo.

Mas não é tempo para dizer não à um mendigo
quando se tem dois reais na carteira.

A vida é certeira
e a cachaça já me dá azia.

Não é tempo de poesia.

A vida é passageira
e tenho contas pra pagar.

Não é tempo de poetizar.

Mas eu queria ser poeta
Daqueles conhecidos em todo lugar
pra ver se a vida passa
bem mais
               d
                  e
                     v
                       a
                    g
                 a
              r
           .

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

COTIDIANO

Luiza
tira os sapatos do chão
bota nos seus pés
se deixa andar.
A vida segue, Luiza,
e você ai deitada,
e a roupa se acumulando
em cima da casinha
que você brincava com
quando criança.
A rima some, Luiza,
nenhum talento é nato.
As coisas vem porque você quer,
porque você foi atrás,
porque você quis,
porque você é capaz.
Ninguém ganha o mundo
vendo netflix sexta-feira a noite
(não se for o mesmo filme
que você ve desde o começo do ano).
A vida não é video game,
Luiza,
não tem botão de restart:
as dificuldades se acumulam sobre o corpo
e você tem que movimenta-lo do mesmo jeito.
A vida segue,
e você acompanha mesmo que arrastada,
mesmo que não queira.
Então arruma esse quarto, Luiza,
começa por algo fácil.
Não deita de novo na cama.
Luiza, por favor!

Sao apenas uma(s) da(s) tarde(s).

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

ANSI

A mão treme
O cabelo voa
O cigarro queima
A mensagem não responde
O estômago tem o clima desértico
Frio
Sem catuaba
Sem cachacinha
Sem cerveja, mesmo que
Quente
Bochechas
Coradas e espremidas
Num sorriso que não era pra existir
Deve ser a ansi
E(i)dade

23/10/2015

OBS: NÃO COLOQUEI TEU NOME PORQUE ELE NÃO RIMA COM NADA

Depois de 6 meses juntos,
você nos abandonou
numa quinta gelada do mês de maio,
na esquina da Sergipe
com a Consolação.
Eu tinha uma garrafa de 51 na mão:
metade tava no meu estômago,
metade tava em forma de gorfo
para compensar
minha falta de coração.
E ainda do meu lado
me restava, deitado meio virado,
seu fantasma
que não deixava eu ouvir meu próprio choro
por causa da respiração.
Agora ele me acompanha para onde quer que eu vá.
Você me abandonou, Isadora,
porque quando você levantou e foi embora
me deixou uma parte sua que só chora
e espera que eu faça
tudo por ela:
escove teus dentes,
dê teu banho,
tire aquele dread que tá no teu cabelo a mais de um ano.
Mas eu não quero, Isa,
assim não dá mais!
Me deixa logo,
que saco!
Aí eu vejo logo se saio
dessa agonia
de conviver com alguém
mas não ter tua companhia.

12/05/2015

terça-feira, 11 de outubro de 2016

CICATRIZES

Não é nada saudável
se machucar
num momento nada instável
mentalmente e emocional
mente
é uma coisa complicada.
Noite passada
eu percebi
há quanto tempo não percebo
as coisas que se passam
no meu cérebro e cerebelo.
A melanco-
lia minhas entre-linhas
e não havia linha
que desfizesse
o nó da minha garganta;
não havia linha que costurasse
as minhas entranhas;
não havia mertiolate que curasse
os tropeços de minhas façanhas.
mesmo uma mudança
pra me deixar mais calma.
Pois a dor é um corte na alma
que arde e não alivia,
parece mais com uma estria
que nos permite crescer.

domingo, 9 de outubro de 2016

FIM DE FESTA

Chovia e você
não sorria,
o azul do céu escorria
na sua bochecha esquerda.
Semanas já fazia
e você nem sabia
mais
o que era um dia
- ou uma manhã -
que se anda até a escola
acompanhada de uma companhia.

- Eu não entendo. -

arrastou.
- O quê?
Ninguém sabia.
- Não compreendo. -
poetizou.
- O quê?
Não me dizia.
- Eu não aguento! -
confessou.
- Mas me diga menina!
Me diga:
o quê?
De onde vem toda essa agonia?
Por fim me falou:
- O porque da gente sofrer tanto...

- Engraçado -

respondi -
já eu
não entendo,
não compreendo,
não aguento
o porque a gente tenta
tanto tanto
não sofrer.

12/11/2015


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

CIGARRO APÓS

Fumaça não é a única coisa
que sai da minha boca:
trago fundo para preencher
o preenchimento esvaziado
nas últimas horas.
Tudo o que foi transbordado,
tudo que saiu pela boca,
lambeu suas costas
e foi embora
dizendo: "deixa a porta aberta!",
porque já já esse tudo volta:
tudo isso
deixei junto com o meu sapato,
e mais aquilo
coloquei do lado do seu armário,
e aquele outro
ficou observando
esperando a hora
de me atormentar de novo.
Mas por hoje
que nossos fantasmas
deem uma volta,
tomem um chá,
porque vão ter que esperar
esse cigarro apagar,
o meu olho piscar,
esse filme acabar
(e é do Godard,
não vai acabar
antes da meia-noite).
Até lá eles se escondem
porque essa noite tá cheia
pela casa estar vazia
e eu sei que ficar nua
não é só tirar a roupa,
é ficar crua:
retroceder ao momento
em que nada te machuca,
ou que não há machucado
que um beijo bem dado
não há de curar.

16/07/2016

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

APÁTICO

Quando me perguntam como me sinto
eu me sinto limitada
porque a pele que rodeia meu limbo
não tem a metragem que eu queria que tivesse.
Quando me forçam a sentir o que sinto
me sinto arrombada
pelas milhares de ondas ágeis
que derrubam tudo
que venho construindo
com tijolos tão
frágeis
eram os olhos de criança
que olhavam pro futuro
com alguma esperança.
Frágeis sempre foram as esperanças,
forte só é o cansaço
proveniente
de todas vezes
que minha cara foi quebrada
para os ossos não quebrarem.
Forte é a impossibilidade
e ando me impossibilitando de tudo
porque possibilidade não é calculada,
metrificada,
quantificada,
qualificada
para cumprir meus anseios.
A indiferença é o meio
de produção de um colapso.
Quem primeiro colapsa é o quarto
que vira uma bagunça
e reflete como um espelho
tudo o que ocorre no fecho
da íris dos olhos sem cor.