quinta-feira, 3 de maio de 2018

NÓS:TALGIA

     Hoje me disseram que Tiago morreu. Recebi a notícia num telefonema de um antigo amigo que tínhamos em comum. Acho que seria um jeito que ele gostaria que eu recebesse essa notícia, pois ele sempre odiou mensagens de texto e redes sociais. Eu também. Tínhamos muito em comum e, ao desligar o telefone, me lembrei de uma tarde de décadas atrás, em que passamos em sua casa no Belenzinho, onde ele morava com mais quatro amigos. Me lembrei também que, antes de conhece-lo, eu achava que nunca iria me apaixonar. Um beijo e já me via livre desse achismo.
     Primeiro amor, amor jovem: se perde tudo, desde o hímen até os escrúpulos. Demorou muito, num amor como aquele, para nos falarmos "eu te amo" pela primeira vez. Eu mais do que ele, pelo meu constante medo de me entregar às coisas. No fim, foi de um jeito estranho que aconteceu: naquela tarde que me lembrei ao telefone, estava chovendo e sem luz, portanto não podíamos ver um filme (forma que havíamos encontrado de passar o tempo sem dizer bobagens). Nos olhávamos cara a cara, em silêncio, e o medo de destruí-lo com minhas catarses emocionais aumentava cada vez mais, ofuscando minha visão. Descobri que eram lágrimas e, chorando, lhe disse que não queria ir embora. Eu havia chegado fazia apenas uma hora e ele, com as sobrancelhas confusas, me respondeu que eu não tinha que fazer aquilo.
     Fui embora sem lágrimas, um ano depois daquela tarde. O primeiro amor tem esse nome pois depois dele vem outros. Eu sabia que um dia eu transbordaria e mataria Tiago afogado - isso aconteceu depois de minhas barragens quebrarem cinco vezes, inundando tudo. Não há jeito de salvar quem se ama de suas águas mais profundas.
     Nunca mais o vi.
     Mas me lembro daquela tarde. Foi mais do que um "eu te amo" molhado da chuva, que pingava da calha e dos cílios. Mais do que a falta de um filme. Foram horas passadas e não desperdiçadas, foram olhos que não me cansava - e quiça não me cansaria nunca - de olhar. Foram promessas não ditas por medo de não cumpri-las, foram carinhos guardados por medo que se acabassem como amores assim acabam: fogo e pólvora, que se beijam em uma explosão. Mas naquela tarde foi céu nublado, a calmaria antes da tempestade. E, mais tarde, foi um telefonema para minha mãe dizendo que eu não dormiria em casa naquela noite.
     Que me perdoem a todos, mas hoje eu gostaria de estar com Tiago.

     24/05/2016

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