quarta-feira, 28 de setembro de 2016

CIGARRO APÓS

Fumaça não é a única coisa
que sai da minha boca:
trago fundo para preencher
o preenchimento esvaziado
nas últimas horas.
Tudo o que foi transbordado,
tudo que saiu pela boca,
lambeu suas costas
e foi embora
dizendo: "deixa a porta aberta!",
porque já já esse tudo volta:
tudo isso
deixei junto com o meu sapato,
e mais aquilo
coloquei do lado do seu armário,
e aquele outro
ficou observando
esperando a hora
de me atormentar de novo.
Mas por hoje
que nossos fantasmas
deem uma volta,
tomem um chá,
porque vão ter que esperar
esse cigarro apagar,
o meu olho piscar,
esse filme acabar
(e é do Godard,
não vai acabar
antes da meia-noite).
Até lá eles se escondem
porque essa noite tá cheia
pela casa estar vazia
e eu sei que ficar nua
não é só tirar a roupa,
é ficar crua:
retroceder ao momento
em que nada te machuca,
ou que não há machucado
que um beijo bem dado
não há de curar.

16/07/2016

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

APÁTICO

Quando me perguntam como me sinto
eu me sinto limitada
porque a pele que rodeia meu limbo
não tem a metragem que eu queria que tivesse.
Quando me forçam a sentir o que sinto
me sinto arrombada
pelas milhares de ondas ágeis
que derrubam tudo
que venho construindo
com tijolos tão
frágeis
eram os olhos de criança
que olhavam pro futuro
com alguma esperança.
Frágeis sempre foram as esperanças,
forte só é o cansaço
proveniente
de todas vezes
que minha cara foi quebrada
para os ossos não quebrarem.
Forte é a impossibilidade
e ando me impossibilitando de tudo
porque possibilidade não é calculada,
metrificada,
quantificada,
qualificada
para cumprir meus anseios.
A indiferença é o meio
de produção de um colapso.
Quem primeiro colapsa é o quarto
que vira uma bagunça
e reflete como um espelho
tudo o que ocorre no fecho
da íris dos olhos sem cor.