quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

BATENTE


A porta ia fazer um estrondo.
Eu corri uma vida inteira
pra colocar os dedos entre
e sentir a dor do baque surdo.
- Cê devia ter deixado bater.

Tudo o que aprendi foi o contrário do que me ensinaram.
Ventania desafiando tapas;
hoje, me calariam –
querendo ser vento me tornei medo.
Você ama mulheres, mas nos acha loucas.
Ama a loucura
ou poder não escutar quando gritamos?
Pescoço de touro, enrijecido em frente,
só me procura atrás quando já desisti de esperar.
 Me encontre antes de eu ser outra.
nos cumprime
ntamos, o frio
de minha alian
ça tocando a au
sên cia da sua.
  - Quando acabar vai ser muito triste.
  Você não ousou discordar.

Presença não espeta
mas a ausência fica em nós
(um dia irei nos mesmos lugares
e estarei menos sozinha que antes).
Se esse vazio me desespera, não sei:
me projetei tantas vezes pela porta
que, partindo, não senti espera.
Talvez doer seja um hábito de mulher
e, disso, eu não abdico nunca.
                     - Que fim levarão nossas flores?
¡vai bater!
                     - Importa?
Tenho medo de um dia percebermos
que era tarde demais.

domingo, 12 de janeiro de 2020

CORRESPONDÊNCIA - III



Olá querido,

passei a noite em claro, ruminando fatos e depois cuspindo-os aqui. Teria sido mais fácil jogar toda a responsabilidade nas suas costas ou me culpar incessantemente, é verdade. O mais difícil é estar lado a lado (por isso, estarei dando uma volta enquanto você acorda e lê isso). Não quero enfrentar o caminho mais difícil, não mais uma vez. O meio termo, para mim, já está bom.
     Procurei pelo começo – não o nosso, mas o meu. Abri meus diários antigos em busca de sabedorias ancestrais, mas só encontrei dores de cotovelo (sempre sofri exageradamente, mesmo quando criança e viver era imaginar. parece até que as dores-faz-de-conta me doeram mais do que as dores da vida real, porque o real tem um limite: uma hora não tem mais o que pensar, o que sentir. o que é real acaba). Lá no passado, aos treze anos, estava escrito: “o amor da sua vida já chegou, e é você mesma”. Aquilo me incomodou, pois penso que estar junto é o único modo de existirmos enquanto seres: junto do outro, junto do mundo. Se bastar é o extremo de um narcisimo machucado, faz com que o amor se confunda com a mágoa. Amar é sair de si, por mais assustador e perigoso que pareça. Esse fanatismo do amor próprio apenas mostra como nos perdemos de nós mesmos: se sou um, não posso amar a mim mesmo.
      Mas o nosso começo me mostrou a guerra de amar sem possuir, sem virar um: você desarrumava a cama para eu não poder descansar em ti; me mostrava que mãos só conseguem fazer carinho, não seguram nada. Me diziam que você me fazia mal e eu chorava, sem saber a resposta. Era tudo névoa - e, embora fosse muito bonito, eu me perguntava se não tinha me cegado enquanto sonhava. Eu aparentava confiança, na sala de espera, como se a qualquer momento você fosse abrir seus olhos e chamar por mim, como se a qualquer momento fosse minha vez de entrar em ti. Você nunca o fez.
    Por que? Pergunto isso sem a intenção de ditar o que deve ou não ser feito, mas na simples procura de um por quê. E, se não há, te digo que mesmo assim houve consequências: aqui estão. Na festa da Dani, eu não consegui parar de pensar: por que, na companhia dos outros, nunca estamos juntos? Por que você - que atravessa essa cidade imensa todo dia - nunca me atravessou pra me encontrar? Eu não entendo o que você vê em mim que te faz pensar que não o quero por perto, se já te disse que eu viveria o resto da vida com você - só não sei se quero que o resto da minha vida comece agora. Você, por sua vez, diz que ama tudo em mim, mas isso inclui os erros? Inclui esses momentos em que não consigo me explicar, me achar? Inclui as decisões que tomei sobre nós sem te perguntar? Pois eu não amo seus olhos quando ficam puro instinto: sua intensidade marítima entra em ebulição e você se fecha, calculando as perdas e os danos. Eu tento tomar folego antes de mergulhar nessa tormenta, mas sempre parece não haver tempo. O céu nunca está sem nuvens; sempre há risco de tempestade.
     E agora? O que está acontecendo? A gente se machucou e continua se machucando, mesmo sem nos tocarmos; nos machucamos e falamos sobre isso em todos os nossos silêncios. Esses bloqueios fazem cortes que não estancam e eu não quero ter que me defender de quem eu amo. Mas se mesmo com todos os desacertos continuamos aqui, do que tivemos (e temos) tanto medo? Não sei - mas cá estou, meio tremendo. Um ciclo se fechou e há sobras no chão, de ansiedade pelo o que já aconteceu e saudade do que iria acontecer. Esperei que as coisas esfriassem mas, quando vi, já estamos azedos.