sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

FRONTEIRA ENTRE O REAL E O DESCONHECIDO

Vontades metafísicas:
derreter
             e virar um só;
explodir
              em uma luz sem corpo
                                                  - pois para além do corpo só há paz
                                                  e para além de mim só há o outro -
verbos
           que eu me fundem ao mundo.

"Será que eu poderia entrar?
Tô com vontade de conversar com alguém que não existe
e não te conhecer é o mais próximo que vou conseguir."
Você assentiu, em silêncio.
Às vezes tudo o que queremos
é alguém que nos entenda além das palavras;
alguém que converse em silêncio.
Lá estávamos: eu, você e
nós - o resto do mundo.
Assim, de instante em instante,
o eterno fez-se inteiro.

A vida, não importa o quanto vivemos,
sempre será a vida inteira.
Desde que ela morreu
eu a vejo em cada esquina
- a morte, não a menina.
"Você tá aqui, mas não consigo te ver.
Eu tô te sentindo, mas não consigo te ver."
A agonia era incorpórea.
Não consigo estar na realidade, pois ela me mata.
Amo a vida incondicionalmente, pois não a amo
- eu prefiro amores com condições.

Às vezes sou como Ofélia, em "Hamlet".
Ser ou não ser:
você nunca me disse o que.
"Sabe, eu gostaria que você fosse meu melhor amigo,
mas isso estragaria um pouco as coisas
porque o que eu mais gosto em você
é que eu não quero nada que é teu,
nem o amor.

De que vai adiantar o amor?"

sábado, 12 de janeiro de 2019

LÂMINAS

Se o lábio é vermelho como uma ferida
tudo que sai feriu, fere ou ferirá.
Não estou em carne viva
- estou carne e viva.
Não fui eu que inventei essa linguagem
que se permite ser tão sofrida.

Tive medo de abrir a boca e minhas dores falarem por mim.
Não adiantou tapá-la:
o grito ecoa aqui dentro.

(tenha respeito ao entrar e ver minhas entranhas. não é bonito, eu sei: está escuro, desorganizado e até um pouco fedido. faz tempo que não venho aqui. por favor, não repare a bagunça. não se assuste)

"Está tudo fechado, que horrível! Abra um pouco sua cabeça",
disseste abrindo as cortinas,
batendo os tapetes,
arrastando as cadeiras;
encanou um vento, levantou poeira
e eu não vi mais nada, míope de desespero.
O cômodo continuou sem nenhuma luz.
"Sabes o que mais gosto do escuro?
Não há cor, forma ou vazio
- tudo se preenche."

(se amas algo que sou, saibas que há momentos de completo nada - momentos em que mais preciso de amor e que menos serei amável. se não consegues ver nada que não goste em mim, então não me viste realmente. deves amar o jeito de ser pois isso não muda nem em minhas mortes: tudo é sempre demais, mas nunca o suficiente)

OS BARULHOS
AS LUZES
OS MOVIMENTOS
AS PALAVRAS
: era tudo muito brutal.
tu: EU TE AMO.
eu: cuidado.

Carreguei esse fato que é o amor,
pesado e imaterial.
"E eu sei lá o que fazer com isso?"
Tive que apagar tudo e todo o resto
para que, no silêncio que restasse,
eu o engolisse como um remédio:
em seco.

Desceu pela garganta,
fermentou no estômago,
serpenteou as curvas do intestino,
beijou cada lâmina que achou pelo caminho
(mas eram só palavras, não mudavam nada)
     - Não beije minhas cicatrizes!
     - Não ame minhas dores!

Acariciei meus mesmos músculos, já tão maltratados.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

CAOS

Eu nunca vi chegar
pois quando percebi, já havia.
Os melhores sentimentos são os desavisados:
se diluem no sangue como hormônios
e fazem crescer partes
que se reproduzem fazendo amor.
Os melhores são os inesperados:
tudo o que me aconteceu,
tudo o que te aconteceu
e todas as borboletas que bateram asas
em todos os lugares do mundo
gerando ondas que quebram na boca do meu estômago
agora
fazem sentido
quando faço amor contigo.
Os melhores são os desapressados:
o sorriso é disperso
em todos os olhos que se seguram,
em todos os dedos que se batem,
em todos os dentes que se cruzam
- como linhas tortas
(dizem que é Deus que as escreve,
mas foi você que desenhou no meu peito).
Dito e feito.

(2017)