segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ROMANCE DE 200 PÁGINAS E 20 ANOS

Eu perguntei o porquê
e ele falou do começo ao fim
- se Deus fosse me dizer alguma coisa
seria com a tua voz e,
apesar de eu necessitar de respostas,
sei que pode sempre ser silêncio -,
mas não adianta:
há coisas que só fazem sentido depois do fim.
Seria necessário uma vida inteira para compreendê-lo.

"Por que os livros se chamam romance
mesmo quando não tratam do amor?
Amor é igualdade, não semelhança;
é uma porta, não um espelho;
é ver, por um instante, algo além de si."
Olhar nos teus olhos pareceu algo muito íntimo
para ser feito na frente de nós mesmos.

O pé pisa o chão o dia inteiro
mas quando chega à noite, sente as cócegas.
À noite: um tempo indefinidamente inesgotável.
De dia, quando não te conhecia, me sentia sozinha,
mas à noite, quando vais embora, é pior ainda.
À noite: quando tudo está por acontecer.
Não vou pedir que faças nada
além de ser.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

ROTAÇÃO - DIÁLOGO

– Você já parou pra pensar que, nesse exato momento, o sol está se pondo e nascendo ao mesmo tempo em algum lugar do mundo?
– Que horas são?
– Duas e trinta e quatro.
– Nunca pensei nisso, mas é verdade. Onde você acha que está nascendo?
– Pelo horário, em alguma ilhazinha do Pacífico. Ou talvez no Vietnã... nunca aprendi direito essas coisas de fuso horário.
– E se pondo?
– Acho que no oeste dos Estados Unidos.
– Nossa... O mundo parece muito grande da sua janela. Principalmente pelas coisas que não estamos vendo.
            – Sabe no que eu estou pensando?
            – Calma, eu estou sentindo tudo.
            
            – Você dormiu?
– Não.
– Posso falar?
            – Agora pode.
          – Tava pensando que o Vietnã é meio socialista e que mesmo assim eu tenho que pagar uma passagem de avião para chegar lá. Por que o mundo não simplesmente se divide metade capitalista e metade comunista? Aí as pessoas decidem se querem morar em um ou em outro.
         – Acho que não é tão simples assim, o ser humano não consegue entrar em um acordo tão facilmente.
            – É, eu sei. Mas não é justo que esse sistema decida quem tem o direito a ter direitos. Quem te o direito de viver. Eu li ontem essa frase: “será que existe vida antes da morte?”.
            
            – O que você acha que é a morte?
            – Nada.
            – Uma vez eu ouvi dizer que era um silêncio mineral... Mas, e se for razão?
            – Então será razão em um silêncio mineral.
  Espera: acho que consigo ouvir.

– Será que já nasceu o sol no Japão?
– Por que?
– Porque acho que lá tem uma menina falando a mesma coisa que você está me dizendo para a amiga dela. E elas estão pensando em nós.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

QUE FAZER?

Foi inocência nossa achar
que eles desistiriam agora
ou em qualquer momento.

i n o c ê n c i a : um gosto amargo na boca.

Nosso fim não pode ser
explodir em ódio e rancor
como bombas de repressão.

d i s p e r s ã o : uma panela de pressão de desesperança.

Temos paus e pedras nas mãos
mas eles têm nossas vidas, então
o que faremos?
P o e s i a,
mas não só isso.

Deixar-se afetar pelas coisas belas,
não se trancar em sua raiva,
retirar o pino:
agora, estamos vivos
pelo acaso ou pelo destino
e devemos deixar nossos espíritos
l e v e s
pois são eles que vão para o céu na morte
e, a partir de hoje,
morreremos muito todo dia.

É por isso que faremos poesia:
porque eles não aguentam,
porque eles não entendem
como ainda podemos sorrir
depois de foderem tanto a gente.
É para isso que faremos poesia:
para nos trancarmos nesse mundo,
para ver as flores que nascem na calçada -
como a que Carlos viu, no meio da Guerra.
"É feia. Mas é uma flor".

Não pise em nossas flores.