terça-feira, 24 de janeiro de 2017

QUARTA-FEIRA

   Sentei-me ofegante depois de rir quando ela me perguntou:
   "Tudo bem?",
   pois vi a ironia de pagar quinhentos reais por mês para alguém se interessar sobre como anda o meu interior. Para a sorte dela, o meu estava em ruínas, então seus quinhentos reais continuavam vindo rabiscados em um cheque todo mês.
   Já comecei falando antes dela suspirar, como sempre fazia:
  "Ontem a noite foi escura e não consegui enxergar o que estava sentindo". O cenho se franziu; o interesse preencheu os olhos. "Não haviam estrelas, mesmo eu procurando arduamente pela janela. Me perguntei o que se fazia no lugar onde a vista não alcançava mais naquela hora. Cheguei na conclusão que não havia quase nenhuma probabilidade de estarem fazendo o mesmo que eu".
   O silêncio seguiu e eu sabia que seguiria até que eu o quebrasse ou até que eu me perdesse a tal ponto nos meus próprios pensamentos que ela tivesse que me resgatar.
   "Também pensei sobre esse lodo cinza que me preenche: cheguei na conclusão que não é cimento. Eu ando achando que a tristeza é só muito tempo sem ter o que fazer. Quem é pobre não tem tempo de ficar deitado chorando, como eu faço de tarde".
   Olhei para os passarinhos que passavam do lado de fora da janela. Invejei-os, pois, se quisessem, fumariam um cigarro e também por não terem criado leis ou lugares fechados, onde acabariam por proibir o tabaco de queimar.
   Afinal, continuávamos numa selva e eu era uma andorinha fugindo de leões. "Como ganhar desses leões?" ela já havia me perguntado. Eu respondi que não se ganhava
sendo andorinha: se era devorado.
   Eu não entendia nada de biologia então mudei o rumo para o que eu queria entender: tudo.
   Me perdi na imensidão da opacidade que recheava qualquer coisa viva que permeava a minha existência.
   Eu não entendia porque o ser humano era mau ou porque o dinheiro existia. Porque meus amigos usavam drogas ou porque eu fumava um cigarro toda a saída da escola. Porque a escola não entendia quando alguns diziam que não dava mais ou porque eu tinha que entender tudo, se sabiam que todos ali eram incapazes de tal feito. Eu não entendia direito a divisão de legislativo, executivo e judiciário ou porque o ser humano se complicou tanto se depois não teve a audácia de assumir seus próprios erros.
   Eu percebi que estava em silêncio quando me assustei ao ouvir: "No que está pensando?". Tentei resumir tudo em uma frase: "Que nasci na hora errada. Ou no lugar errado". Esperei que ela dissesse que a sessão havia terminado, mas ela ainda tinha o  cenho franzido. Suspirei.
   Acho que me sinto sozinha.
   Sai de lá com o fracasso preso na garganta.

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