domingo, 18 de fevereiro de 2018

METADE VERÍDICO, METADE FICÇÃO

   Acho que a coisa que eu mais temi a vida inteira foi ser sozinha. Ou melhor, que os outros percebessem que eu era sozinha, porque ser acho que sempre fui. Acho que outra coisa que sempre temi foi isso: os outros. E mais outra: o sempre. Os medos vão se acumulando como os fantasmas no canto da sala, que são pretos e deformados, deixando a noite cada vez mais escura. Fica impossível apagar a luz e economizar energias.
   Se a solidão fosse curada com presenças, ela não se apresentaria como um problema. Mas ela é a lágrima que cai sem que se feche o olho, que olha pro nada com olhar de Terra do Nunca. Ela vem de relações que te esvaziam enquanto você tenta se preencher com qualquer coisa. Mas nossos vazios são como aqueles jogos de encaixes que os adultos nos dão nos primeiros anos de vida (e mesmo assim, os anos passam e continuamos a insistir no erro de tentar encaixar um cubo em um circulo). Sendo pretensiosa: é difícil achar alguém que vá me amar tão bem quanto eu mesma. Sendo justa: é impossível pedir um amor tão sincero e entregue aos outros. Sendo sincera: é difícil se amar numa sala vazia à 01:39 da manhã, quando o vento faz música nas janelas e até a sua gata recusa seu carinho.
   Nada é estável, então por que eu deveria ser? Até as folhas caem no outono, não porque tropeçam, mas porque é da natureza delas renascer. Eu sou humana e humanos afetam e são afetados e não há nada mais pesado do que uma decepção (se assemelha com duas pedras, amarradas nos cantos do lábio, puxando-os para baixo). Eu sou humana e humanos são seres de carência, o que é diferente de ser carente, embora às vezes ambas as coisas se confundam. Quando começo a me explicar, meus olhos doem e a fala sai arrastada. "Será que era pra ser tão complicado assim ou eu que estou complicando?", eu me pergunto, piscando varias vezes. É que o sono bate, e eu chego à uma conclusão precipitada: "sou só uma mimada".
   "Lá vou eu: desmerecendo mais uma vez meus sentimentos".
   Não, as coisas não me afetariam dessa maneira se outras coisas ruins (muito ruins) não tivessem me acontecido antes. Não é porque não aceito ouvir um "não": é porque já ouvi muitos. E eles criaram feridas que carregarei para o resto da minha vida, que sangrarão nos suspiros de quando não se tem nada para dizer. Que reabrirão em cada noite esquisita, que se confundirão numa dança de linhas brancas que se assemelham à estrias, que se assemelham à escrita, mas que não têm nada escrito. Que me farão pensar duas vezes antes de ficar nua na frente de alguém - na hora de tirar a carcaça grossa que me cerca e pôr o corpo mole para quarar no sol -, porque me cercarão com mais uma camada de  medo. Medo de ser silenciada pelo grito que sai delas, pois elas não escrevem, mas dizem muito.
   Enquanto a noite se aproximar como minha companhia derradeira, não há o que fazer. Enquanto o amor se confundir com falta de ar, não há porque amar. Enquanto a companhia for necessária, não há porque tê-la. Enquanto o vazio for doloroso, não há vazio, e enquanto não houver vazio, não há porquê. "O belo é que não há porquê", estava escrito na capa do meu caderno. Mas tudo isso não é nem um pouco bonito.